Mais Pajeu

Há 170 anos a cólera chegava ao Pajeú e devastava a Ingazeira

ha-170-anos-a-colera-chegava-ao-pajeu-e-devastava-a-ingazeira
Há 170 anos a cólera chegava ao Pajeú e devastava a Ingazeira

Compartilhe nosso conteúdo:

Por Hesdras Souto – Sociólogo, Historiador, Escritor, Presidente do CPDoc-Pajeú e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pajeú.

A cólera chegou ao Brasil em 1855, durante a pandemia global causada pelo vibrião colérico Vibrio cholerae. A doença, que já havia causado estragos em diversos países da Europa e da Ásia, chegou ao país por meio de embarcações vindas de regiões afetadas. Caracterizada por uma diarreia aguda, a doença matava rapidamente, após um processo de desidratação e perda de peso que conferia aos pacientes uma aparência esquelética, com olhos afundados e cor da pele azulada.

Ainda nos fins de 1855, a cólera chega a Pernambuco, durante a disseminação da epidemia pelo território brasileiro. O principal vetor foi o Porto do Recife, que era um dos mais movimentados da região e recebia embarcações vindas de áreas já afetadas pela doença.

Uma vez em Pernambuco, a cólera encontrou condições ideais para sua propagação, como a precariedade do saneamento básico e a dependência de fontes de água muitas vezes contaminadas. As áreas mais afetadas foram os bairros mais pobres e as comunidades próximas aos rios e canais, onde o contato com águas poluídas era frequente. A rápida disseminação da doença levou a um aumento expressivo nos casos e nas mortes, deixando a população em estado de pânico.

De acordo com a antropóloga Luciana Santos (2012), que estudou o tratamento da doença na província de Pernambuco, no sertão “os primeiros registros da doença foram identificados na vila de Taracatú, Garanhuns, Ingazeira, Flores, Vila-Bela e Baixa-Verde”.

Num relatório apresentado pelo médico Dr. Thomaz Antunes de Abreu ao presidente da província de Pernambuco, em 12 de dezembro de 1856, dizia que “A marcha da epidemia foi tão irregular e caprichosa, quanto foi em muitos países: é por isso que tendo-se apresentado o mal na vila de Taracatú em o mês de novembro, desapareceu em janeiro para reaparecer no mês de junho no Riacho do Navio, pertencente ao mesmo termo, em um lugar foi muito benigno, e circunscreveu-se a um pequeno número de pessoas: não aconteceu porém assim na vila da Ingazeira, na freguesia de Flores, na Vila-Bela e na Baixa-Verde, onde a peste com furor atacou. A epidemia foi intensíssima nestes termos [Flores, Ingazeira] e, apoiada pela natureza do solo, e circunstâncias climatérias, assim como pela extraordinária miséria da maior parte de seus habitantes, e frenético charlatanismo, a par de recursos bem dirigidos, e de método de serviço sanitário, cujas faltas infelizmente foram observadas por muito tempo, ceifou desapiedosamente 9000 vidas”.

A situação foi tão alarmante que o frei Caetano de Messina[1] partiu para o Brejo da Madre de Deus e para Cimbres, onde a cólera não parava de fazer vítimas. Ao mesmo tempo em que frei Caetano de Messina percorria as áreas centrais da província, frei Caetano da Gratiere[2] se empregaria nas missões localizadas na região de Baixa Verde, (atual Triunfo e adjacências) Flores, Ingazeira e o povoado de Afogados. Esses frades tiveram grande importância na luta contra a doença, pois, em toda localidade que visitavam, cada um dos missionários se encarregava da distribuição de remédios, dos cuidados com os doentes e do enterramento dos mortos.

Talvez muita gente não saiba, mas o atual cemitério da Ingazeira foi construído afastado da cidade para ser destinado às vítimas da cólera, visto que não era recomendável sepultar os mortos no antigo cemitério da Matriz, que hoje não existe mais.
O cemitério da Ingazeira, ou dos coléricos, por assim dizer, foi construído em 15 dias, por mão de obra escrava, tendo parte das custas financiada pelo Governo da Província e pelo Coronel Francisco Miguel de Siqueira, cuja mãe, Dona Antônia da Cunha Siqueira, também foi vítima da cólera, em 24 de junho de 1856, sendo uma das últimas pessoas a serem sepultadas no antigo cemitério da Igreja Matriz de São José.

Notas:

[1]http://freijuniorcapuchinho.blogspot.com/2012/12/messina-frei-caetano-o-missionario.html

[2]https://www.repositorio.ufal.br/bitstream/riufal/2446/1/Miss%C3%A3o%20imperial%20oitocentista%20-%20Frei%20Caetano%20de%20Messina%20e%20os%20capuchinhos%20italianos%20no%20processo%20civilizador%20em%20Pernambuco.pdf

Fontes:

— Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano.

— Diário de Pernambuco.

— SANTOS, Luciana. Controvérsias em torno das práticas e terapias de cura: A epidemia de Cólera-Morbus em Pernambuco (1855). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2012.

Fonte: maispajeu.com.br