Clóvis Maia é professor, escritor e ex-estudante da UAST/UFRPE
Quando um filho chega aos seus dezoito anos muita coisa passa a acontecer. Nos pais, cresce a preocupação e a chegada daquele fatídico dia em que o filhote vai bater suas asas. No filho, rebeldia cristalizada.
Tudo pode acontecer: sair de casa para montar uma banda, abrir uma padaria sem nunca ter fritado um ovo na vida, casar com a primeira namorada ou mesmo querer descobrir uma fonte primária de energia renovável com capacidade de abastecer uma estranha máquina que ele, obviamente, jura ter construído, com capacidade bélica de ir parar em Marte.
Esse é nosso filho. E esse é o misto de medo/orgulho que dá quando cogitamos de que esse nosso ‘menino’ já tem tamanho suficiente para tomar suas decisões sozinho, ir embora pra qualquer canto e, claro, não nos avisar de que horas volta. Esse é o chamado orgulho de filho.
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E essa é a nossa Unidade Acadêmica de Serra Talhada, nome estranho logo quando ouvimos pela primeira vez: UAST. Por essas paredes e pisos, nesses dezoito anos, quantas vidas e sonhos não passaram por esse mundo que agora, em uma comparação talvez infeliz, para tentar traduzir sentimentos que não se traduzem, fazemos com um adolescente, aquele mesmo do poema do Mário Quintana.
A UAST chegou aos dezoito e eu recebo em minhas redes sociais a pior notícia sobre o assunto: Cícero, um dos trabalhadores terceirizados da instituição e praticamente um patrimônio cultural da unidade acadêmica, bem uns quinze anos de casa, demitido. Que assombro. É como se o filho que acabou de fazer 18 nos dissesse que não iríamos nem ficar sabendo o local da festa.
Cícero Lopes com sua garrafinha de café, ajudando a todos, Professores, alunos, técnicos, visitantes, vigilantes, em sua pequena sala no Apoio Didático. Reserva lá um Datashow em Cícero. Pede ali uma sala para reunião do grupo de estudo, da monitoria, para a assembleia dos Docentes que vai discutir sobre a possibilidade de mais uma greve ou não.
E lá estava Cícero. Impávido. Disfarçando seriedade mas ligado em nossa preocupação, liberando, com uma certa dificuldade, eu sei, alguns conselhos e nos fazendo suportar os dias de inexatidão, mesmo quando a prova se tratava de cálculo 2 ou fisiologia vegetal.
Salve Cícero. Homenageado de dez em dez turmas de formandos desde que o mundo é mundo e a UAST era apenas um bebê esperneando, querendo transporte de qualidade, sinal de telefone, casa do estudante e RU. ‘Seu Cícero’ deveria seguir o caminho natural dos monumentos históricos e imateriais e só sair da UFRPE aposentado e contando a mesma piada sobre seu café.
Isso tem cara de um pedido? Um apelo? Uma baita surpresa triste? Sim. Se eu tivesse como pedir aos administradores da instituição para devolverem o emprego de nosso amigo, eu faria. Quem dera esses seus parágrafos andassem mais rápido que má notícia, feito essa que acabou com nossos ânimos.
Farei uma prece à Nossa Maria José, protetora dos ‘uastianos’ de ontem e de hoje, afinal, o Cícero é nosso amigo.
Fonte: faroldenoticias.com.br